«And some people say that it's just rock 'n' roll. Oh but it gets you right down to your soul» NICK CAVE

domingo, julho 31, 2016

«No sofá, a curtir uma intensa pena de si próprios»


«O papa pediu aos jovens para saírem do sofá e lutarem pelos sonhos. Há quem ache que os jovens são por natureza revolucionários. Eu não. Acho que não há natureza, há cultura, contexto familiar, conjunturas de vida, ou seja, história. Acho que os nossos jovens - falamos de médias, claro - são seres muito incompletos, com dificuldade crescentes de relações sociais, ou políticas.

O desemprego galopante afastou-os da organização do trabalho, mas não só. O colectivo, a noção de produção, é algo que não lhes assiste. Não fazem muito bem ideia do que é o trabalho - mesmo que tenham trabalhado, e trabalhado bem, e mal pagos - porque não dependem do trabalho para viver, dependem do Estado, e dos pais - com os salários que ganham, quando ganham, não conseguiriam viver. E teriam que lutar. Não o fazem porque alguém paga o resto da conta - acreditam que a Segurança Social é o Estado, quando é na verdade a poupança dos pais (só para dar um exemplo da ignorância que têm do valor do trabalho).

Em consequência têm um desprezo, consciente ou não, pelo trabalho alheio. Se forem professores de um trabalhador-estudante vão ver como este padrão se inverte - o trabalho e a ausência dele, explica de facto muito. O esforço que estes fazem, e o respeito que têm pelos professores é a dobrar. Em sociedades agrárias era impossível estes desrespeito pelo trabalho alheio - numa pequena aldeia ninguém tem dúvidas de que vivemos todos do trabalho. O respeito pelo trabalho é milenar.

A comida não chega do supermercado. Acham normal - dizem as dolorosas estatísticas - com 25 anos pedir dinheiro aos pais. Quando estava na altura de começarem a devolver - na forma de segurança social - os 25 anos que os pais pagaram. Os pais em geral são os mesmos que foram com 18 anos para França, ser robots numa fábrica. E que mandavam dinheiro para os seus pais, mais velhos. Chama-se solidariedade inter-geracional, decência colectiva.

Estes, hoje, em larga escala, embora não saibamos qual, estão, como diz o papa, no sofá, a curtir uma intensa pena de si próprios. Afinal o mundo lá fora é culpado de todos os males, e eles são vítimas de um mundo injusto, que não lhe deu o que eles esperavam que lhes desse - esperavam porquê? O que fizeram eles para isso? É adquirido. Está no ADN ter um bom trabalho, embora tenham em cima de si 200 anos de mortos em greves para eles terem a ideia que deveriam ter um bom trabalho.

Sou optimista porque confio num abanão social, a única forma de os seres humanos mudarem. Não acredito em mudanças sem crises. Não acredito em mudanças sem que as pessoas sejam confrontadas com os limites. E acho que para a maioria da humanidade o tempo já foi, ou seja, que vieram e saíram da vida sem vida. Por isso os exemplos contrários - de resistência e coerência - são tão animadores, justamente porque eles abrem caminho para o que é impossível. Por isso dediquei a maior parte da vida a estudar revoluções. E revolucionários, em geral os que foram dirigentes mas não ilustres dirigentes - os milhares de anónimos dirigentes.

Interessa-me o que é excepcional. Apaixona-me a perfeição na irregularidade, a coragem no medo, as flores que nascem no meio das pedras. Os 200 mil (mais tarde 500 mil) que entraram na resistência francesa ao nazismo, e não os milhões que se calaram. Mas a paixão não nos deve cegar o olhar sobre o passado: a juventude no século XX, depois de ser juventude - porque antes eram jovens trabalhadores -, não é uma categoria com uma essência, como o não é a velhice.

A expansão da acumulação e inserção tecnológica galopante, a industrialização das periferias analfabetas na década de 60 exigia uma super qualificação em tempo recorde da força de trabalho que permitiu aos jovens aceder a estudos gratuitos (pagos com impostos dos pais, é certo) e mobilidade social - isso explica mais o Maio de 68 do que ter 18 anos, estou convencida. Universidade gratuita, de qualidade, mobilidade social - nesse caldo objectivo nasceram as lideranças políticas progressistas de diversos matizes. É isso e não a idade. Tenha eu ou não razão é um facto que há 40 anos os pais imploravam para os filhos não irem a manifestações e hoje é o papa - o papa - que tem que implorar que os jovens deixem de vegetar e lutem pela vida.

«Durante a vigília, na qual estiveram presentes mais de 1.5 milhões de pessoas, o pontífice falava de "um sofá - como os que existem agora, modernos, incluindo massagens para dormir - que nos garanta horas de tranquilidade para mergulharmos no mundo dos videojogos e passar horas diante do computador". Um sofá, prosseguiu, "contra todo o tipo de dores e medos".
Citado pela agência Ecclesia, Francisco frisou que uma juventude "adormecida" só é benéfica para aqueles que querem decidir o futuro dos outros. "É muito triste passar pela vida sem deixar uma marca", disse, lembrando que ninguém veio ao mundo para "vegetar". E aproveitou para condenar "outras drogas socialmente aceitáveis", que fazem com que os jovens fiquem "entorpecidos".
Para o pontífice, o mundo atual não precisa de "jovens-sofá", mas sim de jovens "calçados com botas", que caminhem "por estradas nunca sonhadas". »
Raquel Varela no DN.

A propósito:
Papa pede aos jovens que saiam do "sofá" e lutem pelo seu futuro

(picture: pixabay)

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