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domingo, agosto 03, 2014

«Fugimos a defrontar-nos com a realidade nua e crua»

Aos portugueses falta civilização: mais educação, civismo, organização, profissionalismo, realismo e centrar-se no essencial
(foto copyright Ricardo Castelo/jornal I)

A evidência dá conta que «fugimos a defrontar-nos com a realidade nua e crua», como verbaliza o investigador Manuel Sobrinho Simões (entrevista no jornal I de 2 de Agosto de 2014, por Isabel Tavares), transformando os portugueses em mestres nos rodeios, no acessório, no politicamente correcto, e isso torna-nos menos eficientes.

Como coloca Sobrinho Simões, a «palavra apreender, mesmo compreender, é sempre à superfície. É engraçado, porque somos miméticos, mas a linguagem, a descrição, o que embrulha, é quase mais importante do que a coisa em si, e isso tira-nos a capacidade de ser eficientes.» E acrescenta: «nós somos assim, circulares, porque nunca precisámos de mostrar eficiência.»

Daí que «adoramos retórica, discursos labirínticos, achamos que isso é que nos torna interessantes. Não percebemos a ideia de que tempo é dinheiro. Uma coisa que noto nos meus alunos, entre cá dentro e lá fora, é que lá fora sabem distinguir muito bem o essencial do acessório. Aqui ir directamente ao ponto é demonstrar fragilidade.» Diria mais, é como se estivéssemos errados, a atacar alguém, a tocar num assunto proibido, a cometer algum sacrilégio ou má educação.

A retórica e o falar bem interessam-nos mais do que a realidade. Essa distância da realidade é para esconder uma coisa: a incompetência. Não há como ser bem falante e, já agora, vestir bem para esconder a incompetência. Um país de incompetência e falcatruas, estas que são também uma fuga à realidade, no sentido de iludir e ludibriar os outros. O escândalo recente no Banco Espírito Santo é ilustrativo ao mais alto nível.

Diz-nos que o que «falta é organização e saber avaliar, uma vez mais porque somos todos primos de primos [e amigos] e não introduzimos mecanismos de recompensa-castigo.» Mais adiante reforça que «não podem ser os pares [a avaliar], numa sociedade com muito pouca tradição de avaliação e com muito pouca independência.»

Mimetizarmos os noruegueses, por exemplo, «exigiria que tivéssemos regras e que as cumpríssemos. Enquanto não foi preciso produzir riqueza, nós, como organização social, que não era boa, aguentámos» várias provações. Agora, que os tempos são outros, a grau de organização e de civilidade têm de ser outros.

A esse propósito Sobrinho Simões sabe, por trabalhar «muito com a República Checa, a Polónia e a Eslovénia, [que] eles são mais educados que nós. Se se puser um problema de competição, eles ganham. A Europa de Leste passou a ser mais um factor de pressão sobre Portugal e agora estamos a competir com a Lituânia, a Letónia, a Estónia e a Bulgária.»

Dá um exemplo dos benefícios se fossemos mais civilizados: «diminuiríamos muito os gastos do sistema de saúde se fossemos mais educados, mais bem comportados do ponto de vista social, se tivéssemos melhores hábitos. Faríamos economias pelo lado da prevenção.»

Constata que «nós somos invejosos, não somos vigilantes» de forma a incutir nos outros educação social. E ainda «como somos muito individualistas e invejosos, temos uma extrema dificuldade em nos associarmos».

Uma última nota sobre a ideia de que «deixou de ser compensador ser muito bom, muito sério e muito trabalhador. Pior: é quase estúpido. Os smart kids ingleses já não vão para Medicina, nem para Engenharia, vão para a política. Ou para a banca. Estamos a dar cabo das profissões.» 

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